O risco de reversão da justa causa
Orlando José de Almeida e Cristina Simões Vieira
No dia 1º de novembro o ministério do Trabalho e Previdência – MTP editou a portaria 620. Após a sua publicação vários e incessantes debates surgiram, notadamente a respeito de sua legalidade e constitucionalidade.
O ponto central da discussão reside no fato de “que a não apresentação de cartão de vacinação contra qualquer enfermidade não está inscrita como motivo de justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador, nos termos do art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho”.
Outra justificativa para a implementação da norma foi a que consta em seus “considerandos”, onde é feita referência a postulados Constitucionais, destacando-se as hipóteses da proteção ao trabalho e à saúde e a proibição de quaisquer formas de discriminação.
Nesse contexto, restou indicado no parágrafo 2º, do art. 1º, que “considera-se prática discriminatória a obrigatoriedade de certificado de vacinação em processos seletivos de admissão de trabalhadores, assim como a demissão por justa causa de empregado em razão da não apresentação de certificado de vacinação.”
Ao final, em seu art. 4º, traz as consequências do descumprimento de suas determinações e estabelece que, “além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre:
a reintegração com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais;
a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.”
De outro lado, de igual forma, são consistentes os fundamentos para justificar a ilegalidade ou inconstitucionalidade de dispositivos da portaria.
Os defensores dessa corrente buscam suporte em vários comandos previstos na Constituição Federal, especialmente no que concerne aos preceitos fundamentais do direito social à saúde (art. 6º e art. 196), bem como na legislação ordinária em vigor e em decisões de nossos Tribunais.
O advogado Sérgio Schwartsman, em artigo intitulado “O “Trabalho” do Governo Federal Contra a Vacinação – Portaria Inconstitucional, Ilegal e Inoportuna”, após justificar que a inconstitucionalidade reside no fato de que as “Portarias não podem criar normas relativas aos direito do trabalho, apenas regulamentar aquelas já existentes, de acordo com o art. 22, inciso I da Constituição Federal (CF)”, diz que “além disso, não permitir que o empregador aplique punições pela falta de vacinação, vai de encontro à legislação em vigor, pois tanto a CF/88, quanto a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e algumas outras leis, definem direitos à segurança e saúde do empregado, restando ao empregador o dever de garanti-las a todos os empregados no ambiente de trabalho.
O STF indiretamente já se manifestou sobre o cerne da questão, por ocasião dos julgamentos da ADIn 6586 e da ADIn 6587, nas quais se questionava a “determinação de realização compulsória de vacinação” inserta na lei 13.979/20 (art. 3º, III, d), sendo que prevaleceu o posicionamento no sentido de que o direito coletivo – no que tange à compulsoriedade – se sobressai ao direito individual.
É bom lembrar também que em direção oposta às disposições da Portaria, o Tribunal Superior do Trabalho editou o Ato Conjunto TST.GP.GVP.CGJT Nº 279, estabelecendo que, “para fins de ingresso e circulação nas suas dependências”, “será exigida, a partir do dia 3 de novembro de 2021, a apresentação de comprovante de vacinação contra a covid”, ou “de testes RT-PCR ou de antígeno não reagentes para covid realizados nas últimas 72h.”
Consta ainda do Ato que “os servidores que, convocados para o trabalho presencial, não cumprirem as exigências acima estabelecidas serão impedidos de ingressar nas dependências do Tribunal e a ausência será considerada como falta injustificada”, o que tem amparo no art. 13, § 2º, da resolução 748, de 26 de outubro de 2021, do STF.
Anteriormente, no início do ano em curso, o Ministério Público do Trabalho havia divulgado um guia técnico, onde chegou à conclusão de que em relação à vacinação, em caso de “recusa injustificada, o trabalhador deverá ser afastado do ambiente de trabalho, sob pena de colocar em risco a imunização coletiva” e “o empregador poderá aplicar sanções disciplinares, inclusive a despedida por justa causa”.