Antonio José Pereira
Engenheiro civil e doutorando pela FGV, é superintendente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP desde 2014.
As desigualdades da medicina no Brasil
A Pesquisa Demografia Médica 2020, realizada pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) em parceria com o CFM (Conselho Federal de Medicina), constatou que o Brasil já alcançou a impressionante marca de 500 mil médicos, recorde histórico, com média de 2,38 profissionais a cada 1.000 habitantes —o maior quantitativo e a maior densidade de médicos já registrada.
Segundo o levantamento, o mais recente disponível sobre o setor, nas últimas cinco décadas a quantidade de médicos aumentou 11,7 vezes no Brasil, enquanto a população cresceu 2,2 vezes. Um cenário que parece positivo para a saúde, mas só parece. Hipoteticamente, há médicos suficientes para atender toda a população brasileira, mas na prática eles estão mal distribuídos, o que dificulta o acesso da população.
A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) aponta a média de 3,5 médicos por 1.000 habitantes no mundo hoje, mas as capitais brasileiras, especialmente as do Sul e do Sudeste, atingem impressionantes 5,65 por grupo de mil moradores. Como sabemos, regiões mais afastadas dos grandes centros sofrem com carência de profissionais da saúde, e seria necessário implementar políticas públicas de incentivo para obter homogeneização desse cenário.
No início de outubro, a jornalista Mônica Bergamo, colunista deste jornal, publicou o resultado de um levantamento feito pelo CBEXs (Colégio Brasileiro de Executivos de Saúde). Focado em gestores da área —gerentes, diretores, presidentes, sócios, supervisores, coordenadores ou superintendentes—, seu estudo consultou 1.532 profissionais para identificar que 56% são homens, 40% têm entre 36 e 45 anos de idade, 78% são brancos e 51% estão no estado de São Paulo, que concentra pouco mais de 20% da população brasileira.
Ou seja, as pessoas que lideram decisões e trajetórias da saúde, que planejam, contratam, decidem compras como as de medicamentos e equipamentos e definem quais informações serão compartilhadas com a sociedade não representam a demografia da sociedade brasileira.
Mais do que isso, nem estão presentes em todo o território nacional.
Naturalmente, essa desigualdade é consequência da história brasileira, que carrega seu provincianismo adiante e cultiva características patriarcais, machistas e racistas. Os caminhos são dificultados e a portas são fechadas muito antes dos não privilegiados disputarem uma vaga de emprego.
A coluna Desigualdades da Folha reforçou que, “ainda que 54% da população brasileira seja negra, apenas 46% dos alunos do ensino superior se declaravam pretos ou pardos em 2019. Ou seja, as universidades brasileiras, inclusive as públicas, continuam sendo mais restritas, mais brancas e elitizadas do que deveriam.”
Divulgada em junho deste ano, pesquisa do CEMPRE (Cadastro Central de Empresas) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) apontou que as mulheres fecharam 2019 ganhando e ocupando menos espaço que os homens: 44,8% dos assalariados eram mulheres. E enquanto eles receberam, em média, R$ 3.188,03, o salário delas somou R$ 2.713,92, ou seja, as mulheres receberam cerca de 85% do salário médio dos homens.
No HCFMUSP, desde sempre, as mulheres têm tido iguais oportunidades de avançar, e muito provavelmente este seja um dos segredos do sucesso da instituição.
Dos nossos quase 21 mil colaboradores, 60% são mulheres e dentre os cargos de alta direção —Diretores Executivos, Diretores de Núcleos e Diretores de Corpo Clínico—, temos uma taxa superior a 55% de mulheres. Não é uma questão de gênero; é, sim, privilegiar a competência de forma irrestrita.
Este comprometimento deve, necessariamente, continuar. Devemos buscar continuamente um melhor posicionamento e igualdade de chance.
Fonte: Folha S. Paulo